terça-feira, 14 de julho de 2009

Lição 4 - O cristão está livre para comer de tudo o que se vende no mercado?

I CORÍNTIOS 10:25
Este texto indica que o Cristão está livre
para comer de tudo o que se vende
no mercado?

Autor: Pastor Genilson Soares da Silva
Lição Bíblica 273, sábado, 22 de outubro de 2005

OBJETIVO: Mostrar a interpretação distorcida de I Co 10:25; explicar corretamente o seu verdadeiro significado.

TEXTO BÁSICO: Comei de tudo o que se vende no mercado, sem nada perguntardes por motivo de consciência. (I Co 10:25)

INTRODUÇÃO: Antes de “conhecermos” e “desfazermos” as interpretações defeituosas dadas ao texto-base desta lição, façamos um rápido “passeio” pela história da cidade de Corinto. A famosa Corinto, que, nos dias de Paulo, tinha por volta de 700.000 moradores, fora destruída pelo cônsul romano L. Múmio, em 146 a.C. Tempos depois – 46 d.C – foi reconstruída por Júlio Cezar, como colônia romana. Em breve, tornou-se capital da província romana da Acaia. Devido a sua privilegiada localização geográfica – entre os Mares Egeu e Asiático –, Corinto se tornou um famoso e próspero centro cultural, político, comercial e religioso. Por ser um lugar de fácil acesso – entre dois portos – a cidade era bastante visitada por pessoas que buscavam diversão.

De fato, Corinto era a “cidade dos prazeres”. Sobre isso, Gundry[1], ao retratar a grandeza e a estrutura da “indústria da diversão” de Corinto, mostra que os jogos atléticos em Corinto perdiam apenas para os jogos olímpicos. O teatro livre acomodava vinte mil pessoas, e o teatro fechado, três mil. Templos, santuários e altares estavam espalhados pela cidade. Cerca de mil prostitutas sagradas estavam à disposição, no templo da deusa grega Afrodite. No lado sul do mercado, havia várias tavernas equipadas com cisternas subterrâneas para esfriar as bebidas.

Pelo fato de serem liberais e flexíveis, os coríntios tornaram-se tão famosos pelas suas imoralidades que a palavra Korinthiazomai – agir como um coríntio – tornou-se sinônimo de devassidão, prostituição, paganismo e sensualidade.

I - A INTERPRETAÇÃO ERRADA

Muitos dizem que esse versículo – comei de tudo o que se vende no mercado, sem nada perguntardes por motivo de consciência – ensina que o cristão está livre para comprar e comer de tudo o que se vende no mercado. Alguns pensam assim sobre o texto em questão porque se deixaram influenciar por interpretações de comentaristas, que, intencionalmente, abandonaram os princípios e as diretrizes da hermenêutica – disciplina teológica que fornece os princípios básicos para a interpretação correta de uma passagem das Escrituras Sagradas -, incorrendo em explicações distorcidas e deturpadas.

Um exemplo de interpretação aberrante sobre a afirmação paulina é a proposta pelo comentarista Champlin: Naturalmente o princípio exarado [mencionado] nessa citação é mais amplo ainda, destruindo completamente a necessidade de qualquer cerimonial, a exemplo dos rituais do judaísmo, no tocante as alimentos. Dentro do pacto neotestamentário o crente pode comer porco, cão, répteis, camelo, etc., se assim lhe parecer melhor. Nenhuma criatura por si mesma é impura, conforme a lei judaica determinava. Tais idéias não tinha por intuito ser permanentes. Porquanto a liberdade cristã nos livrou de tais questões.[2]

Diante de uma explicação tão surpreendente, perguntamos: O que Champlin está dizendo sobre o texto é certo? Era isso que o escritor da epístola aos coríntios pretendia transmitir? Esse conceito está correto? Por que está ou por que não o está? Essa explicação reflete o significado da passagem? É o que veremos na seqüência, na parte que trata da “Interpretação Correta”.

1. Com base na introdução, responda: O que se sabe sobre a cidade de Corinto?

2. Qual interpretação errada tem sido dada à expressão comei de tudo o que se vende no mercado? Baseie-se no primeiro comentário.

II - A INTERPRETAÇÃO CORRETA

Temos enfatizado, desde o início desta série de lições, a importância de interpretarmos as passagens das Sagradas Escrituras, sem desconsiderarmos os seus respectivos contextos bíblicos. Isto é essencial, porque ignorar o contexto acarreta interpretações falsas. Vejamos um exemplo: Quem faz missões, gosta de citar Salmo 2:8 – ... pede-me, e eu te darei as nações por herança e os confins da terra por tua possessão – para ilustrar suas expectativas de conversões nos campos missionários. Todavia, se o versículo anterior for verificado, ficamos sabendo que se trata de Deus Pai falando a Deus Filho (At 13:33; Hb 1:5). Logo, não tem nada haver com missões!

Por que citamos esse exemplo? Porque o mesmo princípio pode também ser aplicado para explicar o sentido da expressão comei de tudo o que se vende no mercado, que é interpretada erroneamente como mandamento para se comer o que quiser. Mas essa é uma conclusão que o versículo não pode sustentar nem significar, porque, se o contexto do versículo for analisado, tal conclusão ficará seguramente excluída. Pois bem, qual é, então, o contexto de comei de tudo o que se vende no mercado? Que quer dizer essa passagem?

Ao examinarmos o contexto do parágrafo, que começa em 10:23 e termina em 10:33, vemos que o conteúdo diz respeito a uma resposta do apóstolo sobre a postura a ser adotada, pelos que faziam parte da igreja, quanto ao consumo de alimentos ofertados às divindades. Os crentes de Corinto enviaram a Paulo, através de Estéfanas, Fortunato e Arcaico (7:1), uma carta com uma lista de perguntas sobre vários assuntos que estavam causando divisões, desordens, e conflitos na igreja: matrimônio (7:1-40), as coisas oferecidas aos ídolos (8:1 – 11:1), o culto público (11:2 – 14:40), a ressurreição (15:1-58) e a coleta para Jerusalém (16:1-4).

O trecho de I Co 10:23-33 faz parte de um extenso contexto em que o apóstolo responde à pergunta a respeito das comidas utilizadas na idolatria (8:1 – 11:1). É nesse contexto que aparece a sentença comei de tudo o que se vende no mercado. Mas o que tem a ver esse mercado? De acordo com Morris (REF. BIBLIOGRÁFICA?), a maior parte da carne vendida nos mercados era sacrificada. Uma parte do animal sempre era oferecida em um altar a um deus, outra parte era dada aos sacerdotes e, normalmente, uma terceira parte era distribuída aos adoradores. Os sacerdotes, costumeiramente, vendiam o que não conseguiam usar. Seria muito difícil saber com certeza se a carne em determinado mercado tinha sido parte de um sacrifício ou não. Alguns, em Corinto, porém, alegando que um ídolo não tinha existência, sustentavam que essas carnes de ídolos eram limpas. Do ponto de vista teológico, eles estavam corretos, pois os ídolos não são coisa alguma. O próprio Paulo afirmou: ... sabemos que o ídolo nada é no mundo e que não há outro Deus, senão um só. Porque, ainda que haja também alguns que se chamem deuses (...). Todavia, para nós há um só Deus, o Pai (8:4-6).

Mas isso não é tudo! Esse tipo de saber não estava edificando a igreja, pois não se estava levando em conta que nem todos conheciam ou entendiam essa profunda verdade bíblica. Paulo, então, advertiu de que ... existem pessoas tão acostumadas com os ídolos, que até agora comem desses alimentos, pensando que eles pertencem aos ídolos. A consciência dessas pessoas é fraca, e por isso elas se sentem impuras quando comem desses alimentos. (I Co 8:7 – NTLH)

Embora, teologicamente, nada houvesse de errado em comer a carne, isto, contudo, feria a consciência de outro irmão (I Co 8:10,12, 10:29). Insistir nessa prática, enquanto outro se ofendia, seria viver sem amor pelo irmão. Mesmo que este não tivesse uma teologia correta sobre os ídolos, deveria ser respeitado pelos demais. Paulo propôs que, por amor ao irmão de crença frágil, os demais mudassem de atitude (I Co 10:31–11:1).

Ainda assim o prezado estudante pode perguntar: O texto em questão – I Co 10:25 – pode ter mais de um significado? Não. Um texto só pode ter mais de um significado ou mais de uma interpretação, se o contexto nos apresentar claramente essa alternativa. Como o contexto (I Co 8:1–11:1) apresenta somente uma única possibilidade de interpretação – o problema dos alimentos dedicados à idolatria –, devemos nos contentar. Além disso, vale dizer que um texto jamais pode significar aquilo que nunca poderá ter significado para seu escritor (apóstolo) ou seus leitores (coríntios). Esse princípio nem sempre ajuda as pessoas a descobrirem o que um texto significa, mas aos menos ajuda a estabelecer limites, quanto àquilo que não pode significar[3].

O comei de tudo o que se vende no mercado, sem nada perguntardes por motivo de consciência foi explicado corretamente. Mas isso não basta. Falta-nos saber como tudo isso se aplica a nossa vida cristã. Que atitude devemos tomar em relação ao que aprendemos? Vamos apontar apenas dois princípios práticos. Em primeiro lugar, devemos tomar cuidado com o amor excessivo pela verdade. Uma pessoa que se considera protetora da verdade é capaz de matar ou destruir para defendê-la, mesmo que seja a verdade do amor. Infelizmente, a história da igreja tem mostrado que verdade rima com violência. Religião e violência têm uma estranha relação, estranha porque a verdade deve ser vivida com amor (Ef 4:15).

As maiores dificuldades de Jesus se deram por causa dos defensores da verdade. Seus próprios discípulos foram advertidos do perigo. Tendo entrado num povoado samaritano, o Mestre não foi recebido. Tiago e João quiseram utilizar a violência para defender a verdade, personificada em Jesus (Jo 14:5). Jesus os repreendeu veementemente (Lc 9:54-55). Da mesma forma, por causa da verdade de que os ídolos não significam coisa alguma no mundo, muitos estavam destruindo a unidade e a comunhão da igreja de Corinto. Siga a verdade. Viva a verdade. Mas não esqueça de amar!

Em segundo lugar, devemos evitar ser instrumentos de obstáculos na igreja de Deus. Paulo nos adverte de que não devemos por tropeços diante das pessoas, por causa das nossas atitudes (I Co 10:32). Os que são maduros na fé (os mais instruídos na palavra de Deus) devem aprender a conviver com os imaturos na fé (os menos instruídos na palavra de Deus). Mesmo que consideremos algo não-reprovável, se um irmão em cristo o considera reprovável, não devemos afrontar sua consciência. Há coisas e idéias cujo abandono não implica perda, mas lucro, para o bem-estar do corpo de Cristo, a igreja. As pessoas, na igreja, são desiguais, quanto ao conhecimento e o amadurecimento espiritual, em vários assuntos, e isso deve ser levado em conta, quando se trata de liberdade. Um crente novo, por exemplo, tem muito que aprender sobre a vida cristã, e não pode aquele que já tem muitos anos de convertido ferir sua fé, com prática que o escandalize e o prejudique em seu desenvolvimento espiritual. Por isso, em seu comportamento, não deve procurar somente seus próprios interesses, mas também o de seu novo irmão em Cristo (I Co 10:24).

CONCLUSÃO:

Ficou claro, portanto, que, ao inspirar e permitir que o apóstolo Paulo registrasse comei de tudo o que se vende no mercado, sem nada perguntardes por motivo de consciência, o Espírito Santo nunca pretendeu invalidar ou modificar os divinos preceitos universais de Lv 11 e Dt 14, também escritos sob sua inspiração e supervisão. Por ser um livro divino, a Bíblia Sagrada não se contradiz, pois possui unidade e coerência. Assim sendo, ela interpreta a si mesma. Ainda assim, a interpretação da mensagem bíblica é uma tarefa importante que deve ser feita em oração, com seriedade, humildade e cuidado.

QUESTIONÁRIO

03. Por que o exame do contexto bíblico facilita a interpretação de uma passagem bíblica? Exemplifique, usando Sl 2:8, citado no começo do segundo comentário.

04. Com base no comentário, responda: Qual é o conteúdo do contexto de I Co 10:25?

05. Qual é a verdadeira interpretação das palavras comei de tudo o que se vende no mercado?

06. Leia I Co 8:1-2,4-7 e responda: Por que o amor excessivo pela verdade pode ser perigoso para a unidade e a comunhão da Igreja de Deus? Baseie-se também no comentário.

07. Leia I Co 8:9-13, 10:23,31-33 e explique a expressão: “devemos evitar ser instrumentos de obstáculos na Igreja de Deus”.

________________________________________

[1] Citado por Lawrence RICHARDS, Comentário Bíblico do Professor, São Paulo, Vida, 2004, p. 969-70.

[2] CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo. São Paulo, Hagnos, 1998, vol. 04, p. 162.

[3] Roy B. ZUCK, A Interpretação da Bíblia: meios de descobrir as verdades da Bíblia, São Paulo, Vida Nova, 1994, p. 123-129.

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