terça-feira, 14 de julho de 2009

Lição 3 - Todas as carnes são boas para o consumo humano?

ROMANOS 14:14
Esse texto ensina que todas as carnes
são boas para o consumo humano?

Autor: Pastor Enéias Manoel dos Santos
Lição Bíblica 273, sábado, 15 de outubro de 2005

OBJETIVO: Mostrar ao estudante que, ao contrário do que muita gente pensa e ensina, Rm 14:14 não é uma permissão para o crente comer de tudo o que deseja, pois à luz do contexto, o assunto central se refere apenas a carnes sacrificadas aos ídolos.

TEXTO BÁSICO: Eu sei e estou certo, no Senhor Jesus, que nenhuma coisa é de si mesmo imunda, a não ser para aquele que a tem por imunda; para esse é imunda. (Rm 14:14)

INTRODUÇÃO: Como a maioria das epístolas doutrinárias de Paulo, Romanos contém uma seção prática. No Capítulo 14, mostra o dever do cristão para com os irmãos mais fracos. O versículo 14 do mesmo capítulo é um dos textos interpretados de forma equivocada, em defesa do uso de carnes impuras como alimento. Tais declarações são feitas sem o respeito às regras básicas de interpretação.

O bom senso nos diz que, para termos uma compreensão exata do texto, é necessário considerar o contexto social em que viviam os romanos; não estudar o versículo isoladamente, sem levar em conta todo o capítulo e o livro em que está inserido; considerar como Paulo tratou o mesmo assunto com outra igreja (cf. I e II Coríntios); observar, também, como a Bíblia, no seu todo, se refere a alimentos limpos e imundos. Sem respeitar essas regras básicas, não podemos alcançar um entendimento perfeito do versículo em seu sentido real. Neste estudo, serão apresentadas algumas interpretações deturpadas de Rm 14:14 e, em seguida, o sentido correto do que Paulo falou.

I – A INTERPRETAÇÃO ERRADA

Para dar suporte ao argumento de que a abstinência de carnes imundas não se aplica aos cristãos de hoje, muitos utilizam Rm 14:14. O que dizer sobre o texto em questão? Com base na primeira parte do versículo - Eu sei e estou certo, no Senhor Jesus, que nenhuma coisa é de si mesma imunda –, afirmam que Paulo obteve do próprio Senhor uma nova revelação sobre a questão da comida. Ele foi persuadido e convencido pelo Senhor a acreditar dessa forma, pois Jesus, ao se referir sobre a pureza ou impureza dos alimentos, considerou (...) puros todos os alimentos (Mc 7:19). Paulo ensina-nos que é muito mais importante alguém estar persuadido por Cristo Jesus do que por Moisés, visto que A lei foi dada por Moisés, mas a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo (Jo 1:17). Por isso, não devemos evitar tais alimentos por força da imposição das leis mosaicas, porque a lei mosaica já não se aplica aos crentes do Novo Testamento. Com isso, Paulo mostrou possuir uma hierarquia de valores, dentro da qual Cristo ocupa o primeiro lugar, em todas as considerações. Assim é que devem ser as coisas, para o crente do Novo Testamento.

Quanto à segunda parte do versículo – a não ser para aquele que a tem por imunda; para esse é imunda – esses mesmos comentaristas argumentam que, de acordo com essa frase, a impureza do alimento é apenas uma questão de ponto de vista. Não tem nada haver com questão doutrinária. Assim, segundo eles, Paulo ensina que, se um crente gentílico, que sempre consumira todo tipo de alimento, quisesse continuar se alimentando da mesma forma, não haveria nada de errado em sua decisão, ainda que os outros considerassem repugnante tal hábito. Na própria fé cristã, nada haveria contrário a isso. Enquanto não se comprovar que algum artigo da alimentação é definidamente prejudicial à saúde, o crente está na inteira liberdade de comer o que bem desejar. Os alimentos proibidos, em Lv 11, foram proibidos apenas para os judeus, na época, por causa das condições precárias de higiene. Diante desta afirmativa perguntamos: Porque a higiene seria precária em se tratando das carnes imundas e não seria para as carnes permitidas?

II – A INTERPRETAÇÃO CORRETA

Entendendo o contexto do capítulo 14: Há quem diga que o texto trata de pessoas que, antes de se converterem a Cristo, viviam segundo os rigorosos e extremos preceitos do ascetismo - moral filosófica ou religiosa, adotadas entre os judeus e os gentios - que impunha severas regras de alimentação e disciplina, como meio de se alcançar a salvação do espírito. Talvez algumas dessas práticas ascetas ainda fossem usadas pelos recém-convertidos da igreja de Roma, que se abstinham de ingerir carne e vinho (Rm 14:21). É isso mesmo? Não. Se o problema fosse ascetismo, a reação de Paulo teria sido enérgica e incisiva – como foi em outras epístolas (Cl 2:4,16-23; I Tm 4:1-5) –, pois tal heresia era altamente destruidora e prejudicial. Há, ainda, uma outra explicação para a passagem. Para alguns, os crentes fracos seriam os legalistas, que continuavam acreditando que, para serem justificados e reconciliados com Deus precisavam observar as cerimônias judaicas. De fato, alguns judeus diziam que os cristãos precisariam tornar-se judeus para ser cristãos, e impunham-lhes, principalmente, a necessidade da circuncisão. Essa explicação é satisfatória? Não. Paulo seria assim tão manso e suave com quem pervertia o precioso evangelho de Cristo? De modo algum! Em suas outras cartas – principalmente a de Gálatas –, ele sempre aparece combatendo ardorosamente os ensinamentos dos legalistas (Gl 6:12-16).

Os cristãos dessa época tinham de conviver com uma sociedade paganizada, totalmente envolvida com a idolatria. Assim como ocorria no judaísmo, os sacrifícios de animais eram comuns em diversas religiões. Parte do animal era queimada sobre o altar; outra parte era exposta e vendida nos mercados da cidade. Para muitos cristãos judeus da Igreja de Roma, que tinham uma crença sensível, inculta, imatura, isso representava um seríssimo problema. Apesar de convertidos ao evangelho, esses fiéis ainda adotavam muitos dos procedimentos e regulamentos aprendidos na tradição judaica – que era o ensino verbal de hábitos, costumes e práticas, passados de geração em geração. Para eles, comer “a carne dos ídolos” significava participação e aprovação da idolatria. Agora, como eles podiam saber se a carne exposta e vendida nos mercados romanos não provinha de animais anteriormente consagrados aos deuses dos templos pagãos? Na verdade, não havia como saber. Assim sendo, a melhor solução achada pelos cristãos judeus, que tinham uma compreensão elementar da fé cristã, era não comer carne alguma, nem mesmo as permitidas por Deus, em Lv 11 e Dt 14. Com isso, eles corriam o risco de se contaminarem espiritualmente.

Os cristãos gentios (os fortes na fé), por sua vez, tinham um outro ponto de vista sobre as carnes sacrificadas às divindades. Para eles os ídolos não significavam nem representavam nada. De acordo com Bruce, “... entre os cristãos [os fortes na fé] havia alguns que possuíam uma consciência robusta e entendiam que a carne não piorava nem melhorava por sua associação com a divindade paga.” [1]

Com base nessa consciência emancipada e esclarecida, esses cristãos continuavam comprando e comendo as carnes vindas dos templos pagãos, sem nenhum tipo de senso de culpa. Esses “irmãos maduros” irritavam-se com os “irmãos imaturos”, tratando-os com desprezo. O clima, na igreja de Roma, era de discórdia, contenda, divisão e censura. Por isso, a igreja corria sério risco de desintegrar-se. Como dois grupos com opiniões pessoais bastante diferentes poderiam conviver de maneira respeitosa e harmoniosa, sem que houvesse julgamentos, condenações, discriminações? Foi o que o apóstolo procurou ensinar. Ele desejava, antes de tudo, que os “fracos na fé” fossem carregados e edificados pelos “fortes na fé”; também, que os mais fracos não se precipitassem em julgar os outros. Assim, ele os exortou a manterem unidade e a comunhão fraternal. Não se deve abandoná-los na sua fraqueza, como fazem aqueles que, cheios de aversão, afastam-se e só se preocupam com a salvação pessoal. (ESTÁ CONFUSO) Entendendo o sentido do versículo 14: À luz do contexto, como podemos interpretar corretamente a expressão paulina: Eu sei e estou certo, no Senhor Jesus, que nenhuma coisa é de si mesmo imunda, a não ser para aquele que a tem por imunda; para esse é imunda? Para facilitar a compreensão, vamos dividir o versículo em três partes. Vamos à primeira: Eu sei, e estou certo no Senhor Jesus. Esta expressão, extremamente enfática, exprime a convicção de espírito do apóstolo. E mais: a sua convicção se apoiava na autoridade do Senhor Jesus. O que ele estava prestes a dizer não era resultado de auto-convencimento; ele fora convencido ou persuadido pelo próprio Senhor.

Do que Paulo fora convencido pelo Senhor? De que nenhuma coisa é de si mesmo imunda. É esta uma declaração de que todos os animais são limpos? É claro que Paulo não está usando o termo genericamente, pois, se o fizesse, teríamos de supor que todos os tipos de carnes seriam próprias para o consumo humano, o que não é verdade. Obviamente, sabemos que existem carnes impuras, isto é, prejudiciais em si mesmas.

Na primeira epístola aos Coríntios, encontramos uma expressão parecida: ... sabemos que o ídolo nada é no mundo (I Co 8:4). Aqui, Paulo está autorizando a igreja a praticar a idolatria? Se os ídolos nada são, por que Deus condena a idolatria? O que o apóstolo está afirmando a respeito dos ídolos é que eles, em si mesmos, não são divindade; não têm poder algum. O apóstolo está confirmando, aqui, a verdade relatada no Sl 115:4-6: Os ídolos deles são prata e ouro, obra das mãos do homem. Têm boca, mas não falam; têm olhos, mas não vêem; têm ouvidos, têm nariz, mas não cheiram. Os ídolos não representam Deus, e, sim, não representam coisa alguma. Comer alimentos sacrificados a ídolos é o mesmo que comer alimentos sacrificados a nada. Se os ídolos nada são, perguntamos: As carnes que lhes são oferecidas se tornam impuras? Não. O ídolo não tem, “em si mesmo”, a capacidade de afetar o crente maduro que come carne que lhe tenha sido oferecida. Não é a existência do ídolo, mas a sua divindade que Paulo nega. O ídolo, em si mesmo, nada é, mas a idolatria é pecado, por que os demônios se manifestam e trabalham na idolatria (I Co 10:19).

Portanto, quando Paulo diz: ... nenhuma coisa é de si mesmo imunda, não está, absolutamente, querendo afirmar que todas as carnes são puras. A expressão nada de si mesmo é imundo (Rm 14:14) não tem sentido genérico, mas específico; não se refere a todas as carnes, mas àquelas que, naquele momento, eram oferecidas aos ídolos. No sentido específico, dizer: nada de si mesmo é imundo é o mesmo que dizer: nenhuma dessas carnes que estão sendo aí oferecidas são imundas, porque se tratava de carnes que, segundo as regras de Lv 11 e Dt 14, eram limpas.

“... a não ser para aquele que assim o considera; para esse é imundo” (Rm 14:14). A primeira pessoa que classificou as carnes e considerou algumas como imundas foi o próprio Deus: Falou o Senhor a Moisés (...) destes, porém, não comereis (Lv 11:1-4). Então, se alguém considerar alguma carne imunda é porque está se baseando na palavra de Deus, e não há nenhuma censura a isso; ao contrário, trata-se de uma atitude louvável.

A palavra de Deus está acima de qualquer opinião ou entendimento humano; todo cristão conhecedor e fiel a Deus, diante de uma mesa com vários tipos de carnes, imediatamente, vai comparar com a palavra de Deus e identificar se se trata de alimento imundo ou não. Por outro lado, quem não conhece a Palavra considera tudo puro. Conclusão: A respeito de Romanos 14, concluímos que se trata de um texto escrito para desfazer a dúvida sobre se o cristão deveria ou não comer carnes sacrificadas aos ídolos; também, para sanar o problema do desprezo e do julgamento entre os irmãos e resolver o desconforto na igreja de Roma.

O texto de Rm 14:14 em nada tem a ver com Mc 7:14-19. Não ensina que todas as carnes são boas para o consumo humano. Não anula e nem contraria o que Deus determinou, em Lv 11 e Dt 14. Nossa fé deve ser apoiada numa firme convicção na palavra de Deus e nunca em opiniões particulares e sem apoio bíblico.

QUESTIONÁRIO

1) Para afirmar que todas as carnes são boas para o consumo humano, como é explicada a frase: “Eu sei, e estou certo no Senhor Jesus?”

2) O que muitas pessoas têm ensinado, baseadas na expressão: “Nenhuma coisa é de si mesmo imunda, a não ser para aquele que a tem por imunda; para esse é imunda?”

3) Compare Rm 14:1,3 com I Co 8:1,8,9,13 e responda: Qual foi a questão que levou Paulo a escrever Romanos 14? Por que e para que o referido texto foi escrito?

4) O que Paulo quis realmente ensinar, em Rm 14:3,13?

5) Em Rm 14:22-23 qual é o significado de ter fé?

6) Qual o significado real das palavras Eu sei, e estou certo no senhor Jesus?

7) Comente o sentido real sentido da expressão “nada de si mesmo é imundo”. Tem algo a ver com Mc 7:14-19?

8) Comente sobre a expressão a não ser para aquele que assim o considera; para esse é imundo?

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

BÍBLIA SHEDD – Revista e Atualizada no Brasil, 2ª edição, 1998, Edições Vida Nova, São Paulo-SP.

BROADMAN - Comentário Bíblico Broadman, Volume 10, 1984, Rio de Janeiro.

BRUCE, F. F. - Romanos Introdução e comentário, Editora Mundo Cristão, 4ª edição 1986, São Paulo.

CHAMPLIN, Russel Norman - O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, Editora Milenium, volume 3, 1ª edição 1979.

GEISLER, Norman e HOWE, Thomas - Manual Popular de Dúvidas, Enigmas e “Contradições” da Bíblia, Editora Mundo Cristão – 3ª edição, Julho de 1999.

GINGRICH, F. Wilbur e DANKER, Frederick W - Léxico do Novo Testamento Grego/Português, Edições Vida Nova, 1ª edição 1984.

LUND, E. / NELSON, P. C. - Hermenêutica, Editora Vida, 1968, Miami.

PFEIFFER, Charles F. e HARRISON, Everet F. - Comentário Bíblico Moody, Volume 5 Romanos a Apocalípse, Imprensa Bíblica Regular, Primeira Edição em Português, São Paulo, 1983.

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[1] BRUCE, F. F. Romanos – introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 4a ed, 1986, 201.

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